Estudo de caso de UX|UI Design sobre violência patriarcal.

Beatriz Desenzi
9 min readOct 26, 2020

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Como um aplicativo pode ajudar a identificar e dar suporte a vítimas de algum tipo de violência.

"A violência patriarcal em casa é baseada na crença de que é aceitável que um indivíduo mais poderoso controle outros por meio de várias formas de força coercitiva. Essa definição estendida de violência doméstica inclui a violência de homens contra mulheres, a violência em relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e a violência de adultos contra crianças. (livro, “O feminismo é para todo mundo", de Bell Hooks)

Minha irmã, Mariana e eu no #Ato30contraTODAS — 2016

Você gosta da sensação de chegar em casa e conseguir descansar depois de um dia estressante? Você sente que sua casa é um local de acolhimento, de refugio e de proteção?

Sorte a sua se respondeu que sim para essas duas perguntas a cima. Infelizmente, essa não é a realidade da maioria do planeta — sim, esse é um problema mundial.

Problemas da violência patriarcal

  • Violência doméstica de homem para mulher
  • Violência doméstica de adultos (homens e mulheres) para crianças e adolescentes
  • Violência doméstica entre pessoas do mesmo sexo

Eu escolhi desenvolver o trabalho em cima da violência doméstica de homem para mulher.

“De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

DESAFIO

Como eu posso ajudar uma mulher a identificar que está sendo vítima de violência doméstica e depois apoia-lá a pedir ajuda antes que seja tarde demais?

MÉTODO — Design thinking

  • FASE 1: encontrar o problema correto a ser resolvido
    etapa 1: DESCOBRIR/entender o problema e para quem o resolvemos
    etapa 2: DEFINIR a área específica do problema a ser resolvida
  • FASE 2: encontrar a solução correta para o problema
    etapa 3: DESENVOLVER alternativas para a solução
    etapa 4: ENTREGAR a solução, prototipando, testando e iterando

1º Fase: DESCOBERTA e DEFINIÇÃO do PROBLEMA

MATRIZ CSD

PESQUISA — DESK RESEARCH

  • 41% dos casos de violência contra a mulher parte de homens com laços de relacionamento com a vítima.
  • O percentual de mulheres agredidas por seus ex-companheiros subiu de 13% para 37% entre 2011 e 2019*.

Dados acima são da 8ª edição da Pesquisa Nacional sobre Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, realizada pelo Instituto de Pesquisa DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (pesquisados dia 14/09/2020).

  • Segundo o documento Violência Doméstica durante a Pandemia de Covid-19 realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), os casos de feminicídio cresceram 22,2%,entre março e abril deste ano, em 12 estados do país, comparativamente ao ano passado (pesquisados dia 14/09/2020).
  • 536 mulheres sofrem algum tipo de violência física, por hora, no Brasil. Levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto Datafolha (pesquisados dia 15/09/2020).
  • Em pesquisa a um artigo da UNIVERSA, Uol — "Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 1.206 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2018 e 61% delas era negra (soma de pretas e pardas, de acordo com classificação do IBGE)….
  • Segundo o site Justificando, para celebrar os 11 anos que a Lei Maria da Penha (11.340/06) foi aprovada, que torna crime a violência doméstica e familiar contra a mulher. Para comemorar a data e aprofundar melhor nos dados sobre o tema, o Instituto Maria da Penha lançou o projeto Relógios da Violência, que estima quantas mulheres são diariamente agredidas física ou verbalmente no Brasil. (pesquisado dia 16/10/2020)
Relógios da Violência — infelizmente foi desativado

BENCHMARK

Analisando o mercado percebo que já tem diversas iniciativas com ideias parecidas com a minha futura solução. Há também mecanismos do governo e de instituições privadas que ajudam a mulher na hora de pedir socorro.

Concorrentes indiretos

Apps de rede pessoal para ajudar a proteger mulheres vítimas de violência, através de um botão de emergência: Juntas, Women Angels e SOS Mulher.

180: Central de Atendimento à Mulher — é um serviço atualmente oferecido pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH).Por meio de ligação gratuita e confidencial.

190: número de telefone da Polícia Militar que deve ser acionado em casos de necessidade imediata ou socorro rápido. Disponível de forma gratuita em todo o território nacional.

Zap Respeita as Mina: É um software que utiliza inteligência artificial (IA) para responder instantaneamente mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. O projeto é baiano e pode ser acessado pelo WhatsApp via esse número (71) 9909–9322

Botão de emergência de aparelhos, como, de smartphones Apple e Samsung.

Thing Olga: Fomentam debates que sejam catalisadores de mudança e traçar estratégias que promovam transformações culturais

Instituto Maria da Penha: Enfrentar, por meio de mecanismos de conscientização e empoderamento, a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Concorrentes diretos

Apps e plataforma que disponibilizam ajuda jurídica, social e psicológica: PenhaS, Mapa do acolhimento e Mete a Colher.

Benchmark do mercado de violência da mulher brasileira

PESQUISA

Decidi fazer uma pesquisa qualitativa individual para entender mais a fundo pelo o que as mulheres vítimas de violência doméstica passam e pensam.

Na minha desk reasearch eu levantei que 61% das mulheres que foram vítimas de feminicídio são negras, por isso, defini que meu público alvo será mulheres negras, que tenham filhos, que tenha ou teve alguma relação afetiva com o agressor.

Roteiro de pesquisa
Alguns depoimentos de mulheres que escutei durante as entrevistas

PERSONA

Através das pesquisas tracei o perfil da nossa persona.

Maria, mulher, negra, 36 anos, 2 filhos.

Ela tem um relacionamento afetivo com o agressor, é casada. Maria, não tem vida financeira, pois o dinheiro que recebe do trabalho — que é muito pouco — é obrigada a pagar sozinha as contas de casa. O casal tem dois filhos, um de 14 anos e outro de 10 anos.

Maria vive cansada, ela precisa dar conta de fazer tudo no trabalho e em casa. Todos os dias ela sofre violência psicológica, além de não tem escolha para dizer não — na cama é obrigada a atender as preferências do marido.

Está exausta da situação em que vive, mas nunca teve coragem/força para sair disso. Mas depois de uma agressão em público que aconteceu a poucos dias, ela já está traçando uma estratégia para conseguir ter uma vida melhor.

JORNADA DA USUÁRIA

Maria se apaixona por um homem que lhe promete o mundo e que faz de tudo para agradá-la. Eles se dão muito bem, as vezes seu namorado tem alguns ataques de ciúmes, mas ela acha que é normal e que ele é um bom homem. Depois de casados, ele começa com os abusos psicológicos — normalmente a mulher não identifica isso como violência. O tempo passa e os abusos se intensificam a quase todos os dias.

Maria que é técnica de enfermagem — não trabalha na área, pois seu marido não permitiu. Ela não está mais feliz no casamento, todo dia uma violência diferente. Ela sabe que isso não está certo e que merece uma vida melhor, mas precisa de um salário melhor para sustentar a si e a seus filhos e tem muito medo do que possa acontecer se deixar o marido. Ela não tem para onde ir, sua família mora longe e não sabe das violências que ela sofre — a vergonha não a permitiu de contar a eles. A única pessoa com quem Maria conversa sobre esse assunto, é sua vizinha que a apoia em sair de casa, mas também não sabe da missa a metade.

Um certo dia, Maria apanhou de seu marido em público, o que a fez ter a certeza que precisava fazer alguma coisa a respeito. Voltando para casa, encontrou sua vizinha, que já sabendo que ela tinha um casamento difícil, recomendou um aplicativo novo, onde ela poderia buscar auxilio psicológico, jurídico e conversar com um coletivo de apoio a mulheres que sofrem violência doméstica. Maria, já muito cansada de tudo, baixou o aplicativo, mas sem muito entusiasmo. Ela se inscreveu e já entrou no chat para ser amparada pelo coletivo, também agendou um horário para falar com uma psicóloga e uma advogada.

No dia marcado, ela conversou com a advogada e ficou sabendo das leis que protegem mulheres nessa situação. Foi assessorada e aconselhada do que deve fazer para manter ela e seus filhos em segurança.

Com a ajuda de mulheres do coletivo, ela conseguiu uma entrevista de emprego na área de formação dela. Maria começou a procurar um novo lugar para morar com os filhos para mantê-los em segurança, mas isso será possível só se ela conseguir o emprego.

Maria já se sente mais forte e esperançosa com essa nova possibilidade surgindo. Ela acredita que vai conseguir sair dessa situação que vive por tantos anos e vai ter uma nova vida, longe de seu agressor.

JOB TO BE DONE

Conseguir ajuda para sair da situação de violência doméstica

Redefinindo o desafio:

Como eu posso apoiar e ajudar uma mulher que é vítima de violência doméstica

2º Fase: DESENVOLVIMENTO e ENTREGA da SOLUÇÃO

IDEAÇÃO

Durante a pesquisa, constatei que muitos agressores vigiam o celular de suas parceiras e apagam os aplicativos que acham desnecessário, por isso, criei um app com um início fake. A ideia é fingir que é um aplicativo que ajuda no período menstrual da mulher, mas depois de colocar o código de verificação, mostra-se o verdadeiro objetivo — ajudar com a violência doméstica.

Ideias iniciais do app

FLUXO DA EXPERIÊNCIA

Depois de começar a colocar as ideias no papel, gosto de desenhar o fluxo para ficar mais claro as telas que preciso prototipar, por isso, desenhei o fluxo da experiência das usuárias no Miro.

Desenho de fluxo do app na visão da usuária que sofre violência doméstica

PROTÓTIPO

Nome e cores

Coloquei o nome Blood — tradução para português: sangue. Esse nome dá a alusão ao sangue da menstruação, mas também remete ao real significado que é o sangue derramado pela violência doméstica.

A cor principal do aplicativo é o rosa, que induz sensações de relaxamento, tranquilidade, carinho e proteção. Também reduz os sentimentos de agressividade e irritação.

Telas do app

Aprendizados pessoais

Com certeza, para mim, esse foi o estudo de caso mais difícil. Foi duro ouvir os relatos das mulheres que entrevistei — tanto que pausei o projeto por uma semana e meia para me restabelecer. Durante as entrevistas, eu tive tanta vontade de abraçar as entrevistadas, de falar "que mundo horrível que vivemos", mas fui forte, tive muita empatia. Disse palavras doces, mas o que eu mais repeti foi "sinto muito". Foi nesse projeto que eu percebi a dificuldade em manter um roteiro, com perguntar definidas e tempo cronometrado.

Já li em muitos artigos o quão importante é manter o roteiro da pesquisa e interromper o entrevistado para conseguir seguir o tempo certo da entrevista. Mas como interromper uma mulher que vive em violência? Percebi que elas vivem caladas. Como deve ser sofrido viver assim. As entrevistas, que para mim eram importantes para eu me informar e conseguir desenhar um aplicativo, para elas era um alívio. Elas me contavam tudo, cada detalhe. Teve uma pergunta do roteiro que eu nem precisei fazer para nenhuma delas, porque todas se anteciparam e me descreveram como era a violência que sofriam.

Fiz um estudo mais completo dessa vez, com matriz CSD, Desk Research Benchmark, roteiro de pesquisa e pesquisa qualitativa com entrevistas a usuárias reais, Job to be done e fluxo de experiência, coisa que nos outros não fiz e percebi como foi importante para deixar mais claro meu objetivo e conseguir estudar mais afundo esses assuntos.

Meu portfólio no Dribble

Peguei muitas referências do estudo de caso: “A senzala moderna é o quartinho da empregada” — Estudo de UX para melhorar a qualidade de trabalho das diaristas brasileiras da UX Design Vivi DelvaUX

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